CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO DE ALGEMAS EM ADOLESCENTE INFRATOR
O texto a seguir é de autoria da Dra.Gisele de Lima Pereira - Delegada de Polícia.
Excelente texto que ilustra bem a crescente criminalidade praticada por jovens menores de idade e a forma adequada de tratamento dispensada pelos agentes da lei.
Vale a pena ler o artigo em sua íntegra.
A criminalidade infanto-juvenil vem crescendo
sensivelmente nos últimos anos, gerando um aumento no número de ocorrências
policiais envolvendo adolescentes infratores, bem como de apreensões dessas
pessoas em desenvolvimento.
Muitas vezes, a fim de efetuar tais apreensões, torna-se necessária a
contenção da resistência oferecida pelos adolescentes, oportunidade na qual o
policial se depara com a seguinte questão: é permitido o uso de algemas em
adolescente infrator?
A criminalidade infanto-juvenil vem crescendo sensivelmente nos últimos anos,
gerando um aumento no número de ocorrências policiais envolvendo adolescentes
infratores, bem como de apreensões dessas pessoas em desenvolvimento.
Objetivando dar o supedâneo legal para o uso de algemas em adolescentes
infratores, é que teceremos algumas considerações.
Primeiramente, urge destacar que o uso de algemas em pessoas imputáveis já é
matéria bastante tormentosa, devido à falta de disciplina legal, porém,
afigura-se ainda mais questionável em relação aos adolescentes infratores.
Neste compasso, cumpre iniciar a presente análise apontando o artigo 199 da
Lei de Execução Penal, o qual dispõe que o emprego deste instrumento será
disciplinado por decreto federal. Entretanto, este decreto não foi editado até
o momento.
O Projeto de Reforma do Código de Processo Penal, em seu artigo 474,
sinaliza o uso de algemas dentro do Princípio da Proporcionalidade, nos
seguintes termos : "Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o
período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente
necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da
integridade física dos presentes".
Vale citar, a título de ilustração, que o Código de Processo Penal Militar,
em seu artigo 234, §1º, já menciona, expressamente, ser permitido o uso das
algemas quando houver perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, devendo,
no entanto, ser evitado.
Outrossim, analisando o Código de Processo Penal, verificamos que, apesar de
não haver alusão sobre o uso de algemas, o artigo 284 autoriza,
excepcionalmente, o emprego da força, quando indispensável no caso de
resistência ou de tentativa de fuga de preso.
O artigo 292 do CPP, por seu turno, prevê que, se houver resistência à
prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, ainda que por
parte de terceiros, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos
meios necessários para a defesa ou para vencer a resistência.
Ora, se a própria lei processual penal legitima o emprego da força física,
assim como dos meios necessários, nos casos acima referidos, outra não pode ser
a solução senão também a permissão do uso de algemas, que nada mais é do que um
meio eficiente de contenção, e, diga-se de passagem, muito menos lesivo do que
o emprego da vis absoluta.
Corroborando tal assertiva, encontramos o ensinamento do Professor Luiz
Flávio Gomes, proferido num artigo relativo ao tema, acessível na Internet,
segundo o qual "indispensabilidade da medida, necessidade do meio e
justificativa teleológica ('para' a defesa, 'para' vencer a resistência) são os
três requisitos essenciais que devem estar presentes concomitantemente para
justificar o uso da força física e também, quando o caso (e com muito mais
razão), de algemas."
Destarte, sempre que para a defesa do policial ou de outras pessoas, como
também para vencer a resistência for indispensável a medida consistente no uso
de algemas como meio menos lesivo à disposição no momento, a utilização destes
objetos estará justificada.
Tudo se resume no Princípio Constitucional da Proporcionalidade, exigindo
adequação, necessidade e ponderação na medida, cuja aplicação no Direito
Processual Penal encontra-se contemplada pelo artigo 3º do Código de Processo
Penal.
Cabe frisar que é razoável o que é conforme a razão, supondo equilíbrio,
moderação e harmonia, o que não seja arbitrário ou caprichoso, o que
corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.
Por oportuno, insta sublinhar, ainda, que todas as vezes que alguém exorbita
desse limite incorre nas penas cominadas ao crime de abuso de autoridade, nos
moldes dos artigos 3º, "i" e 4º, "b" da Lei 4898/65.
Em que pese todas as considerações até então expendidas, não podemos olvidar
que, em relação a adolescentes infratores, incidem as normas específicas da Lei
nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, o
qual, inegavelmente, criou o devido processo legal concernente a estes
indivíduos, que passam a figurar como sujeitos de direitos e não mais como
meros objetos de investigação.
A Lei nº 8.069/90 revolucionou o Direito da Infância e da Juventude, ao
adotar a doutrina da proteção integral, recomendando que crianças e
adolescentes gozem de proteção diferenciada, especializada e integral,
possuindo direitos próprios e especiais, devido à condição peculiar de pessoas
em desenvolvimento.
Assim, faz-se mister principiar a apreciação da temática em apreço, a partir
da análise dos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesta esteira, após compulsarmos atentamente a Lei nº 8.069/90, percebemos
que não há, naquela normativa, qualquer regramento específico relativo ao
emprego de algemas em adolescentes infratores.
Desta forma, a solução da problemática em tela deve tomar como ponto de
partida a norma veiculada pelo artigo 152 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que impõe a aplicação subsidiária das normas gerais previstas na
legislação processual pertinente aos procedimentos da Lei nº 8.069/90.
Por tratar-se de assunto relativo a adolescente infrator, o qual pode ser
definido como o indivíduo entre 12 (doze) anos completos e 18 (dezoito)
incompletos que pratica ato infracional, sendo este, por sua vez, a conduta
descrita como crime ou contravenção penal, consoante dispõe o artigo 103 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, a norma processual pertinente é o Código
de Processo Penal e as demais leis processuais penais vigentes.
Portanto, devido à ausência de previsão específica acerca do uso de algemas
em adolescente infrator, no Estatuto da Criança e do Adolescente, devem ser
utilizadas, para o deslinde da questão, as normas gerais da legislação
processual penal, que, in casu, são as dos artigos 284 e 292 do Código de
Processo Penal, já anteriormente mencionados.
Do exposto, é forçoso concluir que está plenamente autorizado o emprego de
algemas em adolescentes infratores sempre que indispensável na hipótese de
resistência ou tentativa de fuga ou, se houver resistência à prisão em
flagrante ou à determinada por autoridade competente, desde que constituam meio
necessário para a defesa ou para conter a resistência, em decorrência da
permissão contida nos artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal.
Por fim, convém ressaltar que, se os adultos possuem direito à preservação
da integridade física, por conseqüência lógica do princípio da Dignidade da
Pessoa Humana, dogma constitucional fundamental de todo Estado Democrático de
Direito, os adolescentes, de acordo com a doutrina da proteção integral, têm
direito à mesma com prioridade, o que justifica o uso das algemas como o meio
de contenção menos lesivo à incolumidade corporal do adolescente, substitutivo
do emprego da força física, nas hipóteses em que a lei permite.
Dra.Gisele de Lima Pereira - Delegada de Polícia
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